sábado, 28 de junho de 2008

Fica

Procuro-te para exigir que exijas de ti. Que exijas uma reflexão superficial- porque pensar a fundo dói - e eu não quero que te magoes. Que exijas para ti o melhor e se o melhor, hoje e agora, for eu (caramba): então quer-me para ti. E se não o for, diz-me que não, sempre consciente nos efeitos que o modo como me dirás, podem mudar tudo.
Isto continuará a ter valor por aquilo que é. Por estes momentos que pairam isolados numa atmosfera abstracta e que, ao poisarem no chão do tempo repetido, no espaço dos dias continuados, se tornam assustadoramente concretos. Preserva-a, também, se a consideras importante.
Não te confrontes comigo nem me pressiones. Não me confundas nem me ponhas insegura. Não me digas que não queres quando sinto que queres. Foge, se quiseres, mas não me mintas nunca. E se tens medo de querer, amigo: compra um cão.
Porque isto que existe persistirá, na mesma, mesmo que só durasse há um segundo, o tempo de cair a última folha de um malmequer numa manhã fresca de início chuvoso de um Verão.Tenderá a persistir: em mim: em ti. Concretizado ou não concretizado como algo terrivelmente bom e inesquecível. Mesmo que uma noite se desliguem as luzes, quando o medo que trava e o receio que bloqueia ( finalmente) for tão intenso que ficará tudo tão sereno, tão plácido, tão silêncio e só restemos nós e o um écran apagado e escuro à frente dos nossos olhos que já foram os olhos do outro.
Eu também tenho medo. Muito. Mas não gosto de cães- sempre preferi os gatos. Eu também sou inconsciente e louca, destravada. Eu também me questiono. Eu também sinto a força gravítica a puxar-me para o centro da terra quando as minhas asas anseiam por voar. Mas eu, eu não me importo de correr os riscos; de pisá-los (não de forma leviana); não com qualquer um: contigo. Porque tu, já te disse, és especial na tua singularidade. Único (acho que é assim que se costuma dizer).

terça-feira, 24 de junho de 2008

Teorema de Pitágoras

Preciso de palavras tanto quanto preciso de acções. Preciso que me digas que me queres, que me agarres pelo braço, que não me deixes desistir. Sabes que a energia que tenho para virar as costas e desatar a correr na direcção oposta à tua é a mesma com que lutei por um lugar para nós, secreto ou não, a mesma com que sempre corri ao teu encontro. Energia: força cinética. Sabes que acredito nas leis da física tanto quanto na poesia de um dia de liberdade roubado aos compromissos, aos relógios, aos outros lá fora. Será que a liberdade roubada é, ainda assim, liberdade? Preciso que me digas que embora não saibas em que tempo, que acreditas com força que vamos chegar lá e depois sentirmos que valeu a pena, quando finalmente podermos respirar sem medo de fazer barulho e acordar os compromissos, os relógios e os outros lá fora. Mais que acreditas, preciso que me digas que sentes que vai acontecer, à força de tanto queres. De tanto me quereres. Com a mesma certeza com que sabes que o quadrado da hipotenusa nunca deixará de ser igual à soma dos quadrados dos catetos.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Sobreviver

Respiracção.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Forca (com ou sem cedilha, tanto faz)

Não consigo biforcar o meu coração. Em alternativa, prefiro-o enforcar. Tirar-lhe o ar e o sol que lhe alimenta os batimentos, completamente tontos de tanto cetrifugar. Como se uma varinha mágica os moesse e triturasse, até ficar um líquido denso e homogéneo, tão misturado que nada ali se consegue identificar. Mas não é uma varinha mágica dos contos das fadas. É uma varinha mágica mesmo, electrodoméstico banal.Não consigo biforcar o meu coração. Já to quis oferecer para lhe tirares a máscara de oxigénio e dares-lhe o fôlego que ele precisa. Respiração boca a boca, como só tu saberás fazer. Devolveste-mo para trás e agora falta-me o ar, neste sentimento asmático, sufocante e doloroso. Tu tens medo e eu estou a asfixiar. Só me resta consegui-lo enforcar.

Portanto (variações)

Pormuito: portãopouco: poristo: portudo: pordemais: pormim: porti: pornós: portanto.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Miss you

Saúdedade: Doençadade: Saudade.

domingo, 15 de junho de 2008

Lux(o)

O terraço do Lux estava como nunca o tivera visto antes. Nem demasiado abarrotado nem demasiado vazio, o suficiente para o vestido comprido estilo hippie dar nas vistas assim que ela entrou. A pele já acusava uma pincelada de bronze e ela dançava discretamente porque não necessitava de atitudes excêntricas: mesmo quieta, mesmo parada, apenas a sorrir com o seu sorriso aberto ela conseguia reter as atenções masculinas que cirandavam por ali. Aproximou-se um. E outro. Um terceiro. A todos distribuiu sorrisos. Chegou, até, a dançar com um deles: não o mais bonito mas o mais sensual. Não o sabia explicar: atraiam-lhe os homens naturalmente sensuais, sem músculos, nem bronze de solário, sem gel no cabelo nem ar de pintas. E dançaram colados, em silêncio, num misto de fascínio e mistério, não se chegando a tocar verdadeiramente mas em simultâneo a tocarem-se por inteiro. Não trocaram nomes, nem números de telefone. Dele só sabia o som da voz: "A menina dança?"- perguntara-lhe, rouco. "Dança. Mu dança."- pigarreara ela, sempre a troçar com as palavras e as intenções. "Então, venha daí, menina Mu"- e pegara-lhe na mão até a um canto da varanda, onde puderam dançar em silêncio naquela dança de chama de vela. Eram quase sete da manhã quando chegou a casa. O marido dormia profundamente na cama de ambos. Ao fundo da cama, no lado em que ela se costumava deitar, jazia a camisa de noite preta de cetim, a preferida dele, como que um convite que ele pretendia simuladamente casual. Vestiu-a e deitou-se.

Ansiedade

Transpiracção.

sábado, 14 de junho de 2008

Estado de espírito II

Gasoso: vontade de evaporar. (Evaporar? E vai piorar?)

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Vibrador

Cabo de alta te(n)são

terça-feira, 10 de junho de 2008

Estado de espírito

Líquido: choro até ao céu.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Fruta

Não te posso sacudir para que caias em ti, se afinal ainda não estás maduro.

domingo, 1 de junho de 2008

Quando nasce o dia na cidade

O convite tinha surgido sem que o esperasse:"Podias vir cá a casa dar uns conselhos de decoração hoje...". Ela sentira um frio na barriga, um misto de surpresa e ansiedade: medo. Vestiu-se para ele da mesma forma como uma hora mais tarde se despiria para ele, em cima do tapete felpudo da salá áurea a contrastar com a sensação pouco clara que ambos viviam. Escorregadia- ela. "Se não pensares na realidade, a realidade não existe". Não era essa a verdade que ela vivia. Não obstante a ausência de imagens, havia marcas de outra mulher pela casa, passos invisíveis no chão, cheiro nos lençóis, objectos territoriais espalhados como que esquecidos. Embora, em boa verdade, a outra fosse ela. Havia um tempo interior para ela. Ela esperava que para ele também. E nesse tempo secreto, não partilhado, ela desejava que os relógios se encontrassem não muito longe no tempo, que era cada vez mais curto. Que os relógios segundassem em sintonia no tempo e no espaço dela, no tempo e no espaço dele, no tempo e no espaço dos outros, lá fora. Cá dentro também, mas só nessa altura haveria um dentro comum, interior, de placenta. Sentaram-se a ver as imagens deles, das suas gentes, das suas histórias que também eram, afinal, a história cruzada das suas gentes. Beijaram-se e ele excitou-se com o beijo dela, molhado e apaixonado pela sensação de suscitar nele o desejo que crescia. "It's a two way road". Indeed. Frente a frente, na mesa da cozinha ele preparou-lhe cuidadosamente um capilé com lima e ela bebeu-o com o mesmo requinte de quem bebe uma taça de champagne. Com mais prazer do que quem bebe Moet & Chandon. Ele tinha-o preparado para ela, entre confissões de pedaços de passado, tiras de um futuro anunciado, rasgos de um presente pesado. Histórias de risos entre paredes de pedra, danças alegóricas em bailes de província, cheiros de açúcar caramelizado com ferro a cobrir leite-creme. Partilharam, por fim, uma amêndoa amarga, doce de tanta paixão crescente nos olhos amendoados de ambos. Assim acreditava ela. Sabia que o queria. Queria não o imaginar com outra mulher. Queria-o disponível para ela. Queria mostrar-lhe o seu mundo. Queria-o em exclusividade. Sabia também o que não queria. Não queria envergonhar-se de existir e de gostar de o fazer feliz. Não queria ter medo de se cruzar com os vizinhos no elevador. Não o queria com medo de magoar a outra quando a outra era ela, e comecava a magoar-se. Não queria ser dele em full time e recebê-lo em part-time. As premissas tinham mudado. Era a hora. Fizeram amor de forma carnal e espiritual, uma comunhão como ela não sentia hà muito. Dele sabia muito pouco, apenas que desejava que o seu tempo viesse ao encontro do dela. E enquanto, em cima dele, engolia o seu corpo másculo, os olhos cairam no nascer do sol sobre o subúrbio cosmopolita da cidade e experimentou uma paz orgásmica, como se isso alguma vez fosse possível.