domingo, 13 de julho de 2008

Estou a uma semana de recomeçar. Abri o msn para ver o que me restava da última vida, como os gatos que caiem sempre de patas para o chão e mesmo assim são agraciados com sete. Caio muitas vezes mas raramente me magoo mas desta vez sei que vai doer que farta porque as almofadas das patas estão já esfoladas e ando tonta de tanto álcool e festa e barulho e confusão e gente perdida e também tonta a girar em torno de mim e a pedir que me sinta firme. Dei de caras com um contacto cinzento, perdido naquela pequena imensidão de contactos, ora desconhecidos, ora próximos, ora distantes, deles e de mim. Ele, alguém que tinha conhecido por aqui mas que se aproximou para vir de encontro à vida vivida com luzes dos néons que o fascinavam, estava novamente mergulhado na escuridão. Interroguei-me porquê. Se tinha tido cegado. Se se tinha encadeado com a intensidade da luz. Se tinha tido medo de ferir os olhos, pouco habituados aos raios de sol, e a um pouco mais de luz. Acho que apenas chegou a hora.
Os gatos grandes e bravios também precisam de colo. Demoram a ser conquistados, demoram a vir comer à mão, mas também são frágeis, também têm arranhões, também precisam de festinhas. O amor não se adia, disse um dia o poeta. Gostava que ele pensasse nisto. E pensasse que as luzes de néon também correm o risco de sobreaquecimento e que um dia podem fundir mas, ainda assim, nunca deixarão de ser o que são: luz.
Queria-lhe pedir que voltasse a transformar-se num contacto verde e contar-me o que sei ser o incontável. Para que eu percebesse como é possível, mesmo depois da desmistificação da Alegoria da Caverna, voltar a mergulhar nas trevas depois de se ter visto a luz. Também eu queria voltar a resignar-me. A verbalizar que consigo ser feliz assim. Queria o segredo.Não sei se, de facto, quero que apareça agora on line. Talvez seja, hoje e agora, pedir demais. Pedir o impossível, coisa pela qual começo já a ganhar alguma apetência. E a habituar-me, o que torna as coisas estupidamente piores.Hoje e agora, parece-me que os problemas que tenho são problemas inventados por mim, que são poeira aos olhos dos Deuses e da maquinaria pesada que governa o Universo e as leis, reais, que são superiores a tudo e mais alguma coisa.
Sorver a luz em exclusivo e sentir-me infeliz. Os outros a tentarem adivinhar o calor da luz na pele, eu a tentar explicar por palavras o melhor que posso, os outros até fazerem um esforço para imaginarem mas, no fim, restar apenas a frustração de não ter conseguido partilhar com ninguém a sensação térmica e luminosa, a mesma que dispensa palavras porque apenas a partilha da vivência, por si só, torna cúmplices os sujeitos da partilha.Somos piores que todos e melhores que todos, fazemos perfeitas acrobacias no sentir. Ele foi e não se deve sentir mal com isso. Ele foi como foi, está lá, um dia virá da mesma forma eventualmente fácil, ou outra qualquer. É ele. Somos Nós. Mas nós vamos sabendo, nem que seja de desejo feito, que um dia voltaremos. Ou talvez morramos lá no fundo, nas catacumbas da escuridão, felizes pela ideia de que há luz lá fora que cega os outros, os encandeiam, lhes fere os olhos e a forma de olhar.
Não esperar a luz dele. Nem de mim. Nem de ninguém. Apagar as fantasias dessa claridade. Alguns chamam isto de resignação. Outros de crescimento. Acho que a felicidade passa por isto: pela aceitação gradual da ordem das coisas. Aspiro um dia chegar lá. Não por crença mas por falta de opções.
Para vir, precisamos de ir. Faz sentido. É uma espécie de geometria de uma alma que, embalada pelas estrelas, se atormenta lá para voltar para cá, para estar cá. Quando vamos, somos. Quando partimos, há mais que um desejo secreto de voltarmos: há uma ideia íntima do que somos.Depois dizemos adeus. Um adeus longo e continuado, ou então evitamos a todo o custo dizer adeus, porque a nossa alma esta, em boa medida, na negação do que somos ou do queremos, um dia, ser. Negamos o futuro porque sabemos que um dia voltaremos.Ele foi. Não entendo porque foi, não entendo sequer porque decidiu ir. Não quero. Acho que não quero. Se o quisesse entender, quereria negar as minhas raízes, as minhas tormentas, a minha procura incessante de dar um bocadinho mais de sentido e luz à minha existência e ao meu tempo que não sei que validade terá.No fundo, o ideal seria perceber isto do ponto de vista da tolerância para com a espécie, tolerância que um dia tentei defender num início de conversa cibernética. Nenhum de nós percebeu, nem tão pouco eu. Mas a verdade é que eu acho que nenhum de nós precisa de saber, porque já o sabe.A diferença está em que pensar nas coisas pode torná-las diferentes, mas não as faz iguais a nós próprios. Só as vezes, muito ás vezes, e que conseguimos mudar as coisas, ultrapassar a nossa ignorância e mudar. Mudar um pouco, que nos dias que correm é, de facto, mudar quase tudo.
Escrevi-lhe isto, mas a necessidade de reconhecimento tão próprio do bicho que somos levou-me a escrever-lhe em vez de escrever-me a mim. É esta necessidade de reconhecimento que me atormenta. Não o reconhecimento da fama, das luzes, dos néons que chamaram por ele nem que fosse por um pouco, o pouco tempo necessário para saber que um dia quereria voltar. Que tinha de acordar outra vez de um sono mal dormido. A janela aberta, plena de luz.